7.3.10

 

Continuação do Problema «Socrático»



Desde o dia em que escrevi o artigo intitulado «O Problema Socrático», muita prosa já correu pelos jornais e outros órgãos da Comunicação Social.

De um modo geral, todas as suspeições sobre o comportamento anti-ético do Primeiro-Ministro se adensaram.

Todas as transcrições das conversas judicialmente escutadas que vieram a público reforçam nos cidadãos a ideia de uma conspiração urdida com o beneplácito do PM, com o fito de condicionar a Comunicação Social, dando-lhe uma orientação politicamente favorável.

Para isso, cumpria afastar os jornalistas ou directores de jornais que se mostrassem resistentes às manobras que teriam de ser executadas para cumprimento do indecoroso plano.

Muitos nele se prestaram a colaborar ou permaneceram indeferentes, sem obstruir na sua execução.

Os restantes, relativamente poucos, acrescente-se, tiveram de ser expurgados, contando-se para isso com os fortes recursos governativos disponíveis, que incluiam a utilização de meios financeiros de Empresas de prestígio em que o Estado detém prerrogativas especiais de Gestão, mesmo se não dispõe da maioria do seu capital, fazendo uso das chamadas quotas douradas ou golden shares, maravilha da moderna gestão, que permite, para certos efeitos, tratar como nacionalizadas Empresas que já foram objecto de privatizações mais ou menos extensas.

As manobras têm sido pormenorizadamente descritas, comentadas e enquadradas por vários jornais, de que se destacam, à cabeça, o Semanário Sol e o Correio da Manhã e, em menor grau, mas também com papel relevante, o Expresso, o Público e o jornal i.

Isto tem deixado o Poder socrático completamente desnorteado. Nem os maiores expoentes do «socialismo» nativo, como Mário Soares, Almeida Santos e António Vitorino têm logrado reverter a opinião pública, que, na sua maioria, já não se atreve a defender a inocência do PM e dos seus incondicionais apoiantes nas falcatruas conhecidas.

Um sondagem do Público da passada 6.ª feira já dava a conhecer este facto, ainda que lhe juntasse a incongruência de que a maioria continuava a sustentar a mesma família corrupta à frente do Governo da Nação. Pobre Governo e triste Nação que maioritariamente assim se deixa conduzir.

Em todo caso, dado o analfabetismo político-cultural reinante, agravado pela corrupção moral entretanto disseminada no corpo da Nação e pela manipulação constantemente dimanada dos órgãos do Poder, já se deve considerar um marco assinalável que a figura do PM tenha perdido a sua anterior presunção de inocência aos olhos da opinião pública.

Para os Tribunais, todavia, ela permanecerá, até que que se obtenha a sua cabal refutação, ou seja, até que se consiga demonstrar inequivocamente a sua participação nas múltiplas tramóias conspirativas contra o Estado de Direito.

Entretanto, a sua credibilidade política desvanece-se dia a dia, arrastando consigo a das Instituições que, por definição, representam o Regime.

Outra noção que ressalta, cada vez com maior clarividência, é a do papel desempenhado por altas estruturas do Poder Jurídico : a Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal de Justiça, sobretudo o primeiro destes órgãos aparece, na opinião pública, como fortemente empenhado em dissipar as suspeições ou em encobrir judicialmente a figura do PM.

Os pormenores surgem exuberantemente explanados no editorial que José António Saraiva escreveu esta semana no Sol.

Quem ler o editorial, com espírito aberto, mesmo se simpatizante da família política em causa, compreenderá certamente a razão da suspeição que acabou também por atingir a figura do Procurador Geral da República.

E, neste imbróglio em que mergulhámos, lá se vai a nossa minguada confiança no regime político vigente, que não basta apelidar-se de democrático, para merecer a nossa aprovação. Cada vez mais, as práticas conhecidas o desmentem ou desacreditam a sua reputação.

Por fenómenos certamente parecidos com estes terminou ingloriamente a aventura da chamada primeira república, também ela enredada em tramóias sucessivas, em escândalos e em buracos financeiros insuperáveis, para os quais se mostraram insuficientes os artifícios demagógicos permanentemente esgrimidos pelas suas mais gradas figuras políticas.

Mas se isto é fácil de dizer, não é agradável de verificar, por traduzir um espectáculo desolador que derrota os mais bem intencionados, não os apaniguados, decerto, porque esses encontram-se sustentados, no seu falso optimismo, pelas prebendas, sinecuras e demais mordomias com que actual regime os tem contemplado.

No mínimo, eles retribuem-lhe com algum apoio, se não vigoroso, pelo menos persistente no tempo.

Foi preciso chegarmos à presente situação de calamidade económica, financeira, social, educativa, ética e cultural para aferirmos verdadeiramente o carácter daqueles que uma retórica fantasiosa e duradoura nos quis apresentar como Senadores ou Pais Fundadores do Regime.

Só nominalmente o serão, porém sem o suposto alto prestígio tradicionalmente associado à famosa designação, suponho que, também aqui, de proveniência americana.

Além dos já citados ícones «socialistas», outros nomes, supostas bandeiras de reserva, têm igualmente decepcionado aqueles que ainda lhes davam um resquício de isenção, de imparcialidade judicativa, agora inteiramente apagada.

Onde tem andado Manuel Alegre e o que de relevante se lhe tem ouvido, a respeito de todo este descalabro ético que acometeu o Governo e a Direcção do Partido de que é militante ?

Nada se lhe tem ouvido de claro ou de objectivo sobre a condenação, pelo menos no plano ético-político, de tantas trapalhadas vindas a público, oriundas do Governo de Sócrates.

Percebe-se assim que Alegre não é capaz de distanciar-se suficientemente da família política a que pertence e que, em momentos de aperto ou de aflição, com ela permanecerá, contra o interesse geral do País, se preciso for, nisto se identificando com Soares, Almeida Santos, Vitorino e demais Mestres da Confraria.

Também aqui se revela a degenerescência das Instituições do Regime : entre a verdade dos factos e a razão do Partido, a escolha recai sempre sobre esta última, ou seja, prevalece a visão estreita do interesse do grupo, da facção e nisto se consubstancia, para alguns, em todo o seu esplendor, o tão execrável espírito de seita.

Contra isto, é absolutamente necessário lutar ou deixar-se alguém de vez de falar em princípios ou valores democráticos, porque não se estará a visar outra coisa que não seja o interesse próprio ou do grupo a que se pertence.

Temos visto com frequência esta tendência malsã prevalecer na vida nacional, por obra de todos os Partidos nela existentes, mas é preciso reconhecer que, no tempo presente, mais do que qualquer outro, é o PS o grande artífice desta doutrina deletéria, que ameaça os alicerces da nossa vida comunitária.

Daí que desalojá-lo do Poder se torne numa tarefa eminentemente patriótica, de absoluta profilaxia política, de preferência por meios inequivocamente democráticos, mas incluindo outros, se absolutamente necessários, quando esteja em causa a sobrevivência da soberania da Nação.

Esta é que não pode cair refém da corrupção de um qualquer Regime que lhe tolha a própria capacidade regeneração.

Porque, meus caros concidadãos, os Regimes Políticos alteram-se, desfazem-se e passam, ao longo da História, mas a Nação, essa, deve subsistir, justamente para que, como dizia Pessoa, ela se possa cumprir.


AV_Lisboa, 07 de Março de 2010

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